Falta base científica à revisão do Código Florestal, dizem pesquisadores

Falta base científica à revisão do Código Florestal, dizem pesquisadores
21 Julho 2010
 
 
Pesquisadores brasileiros continuam manifestando preocupação com a proposta de revisão do Código Florestal brasileiro.  O alerta mais recente está em uma carta assinada por pesquisadores ligados ao Programa Biota-Fapesp, divulgada na sexta-feira, 16 de julho, pela revista  Science, publicação da American Association for the Advancement of Science (AAAS), com estimativa de leitores em torno de um milhão de pessoas no mundo.
 
O documento afirma que, com uma possível aprovação do relatório pelo plenário da Câmara dos Deputados, o Brasil estaria "arriscado a sofrer seu mais grave retrocesso ambiental em meio século, com consequências críticas e irreversíveis que irão além das fronteiras do país".

A comunidade científica, de acordo com os pesquisadores, foi amplamente ignorada durante a elaboração do documento já aprovado pela comissão especial que estudou o assunto.  Ainda não há data definida para a votação em plenário.

Apesar de a própria comunidade científica lamentar a ausência de pesquisadores nas discussões com a comissão especial do Código Florestal, o relator deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) insiste em dizer que eles foram ouvidos.  No mesmo dia da publicação da carta dos pesquisadores na Science, o deputado participou do programa “Encontros Estadão e Cultura”, na TV Estadão, e voltou a insistir: “Percorremos 18 estados e todos os biomas.  Ouvimos mais de 600 especialistas, gente de organizações não-governamentais estrangeiras e nacionais, Ibama, Ministério do Meio Ambiente, órgãos ambientais municipais, Embrapa, universidades...”
Em entrevista ao site do ISA, o professor Eleazar Volpato, da Universidade de Brasília (UNB), discorda do deputado: “Não ouviram especialistas como quiseram insinuar.  Ouviu-se, na área da pesquisa, a Embrapa, o que já é uma distorção, já que a pesquisa florestal dentro da Embrapa está subordinada a outro ministério, o da Agricultura, e não o do Meio Ambiente.  A Embrapa faz a política agrícola.  Não vê as florestas em todo o seu contexto.”

Volpato, que dá aulas desde 1977 no curso de engenharia florestal e tem doutorado na Alemanha lamenta o pouco tempo de debates na comissão: “O problema é que o assunto foi tratado com uma rapidez exageradamente grande.  A legislação alemã, embora estivesse consolidada, estabilizada, apesar de sofrer uma modificação em 1977 apenas para consolidar e harmonizar os interesses dos Estados, levou 16 anos em discussão no âmbito técnico, até se chegar a um consenso e ser aprovada no Congresso.”

O professor ainda diz que mesmo se os técnicos se oferecessem para falar na comissão, haveria restrições: “Eles poderiam até se oferecer, mas só seriam ouvidos os que interessassem.  Com certeza, foram chamadas a dedo as pessoas para legitimar certas posições.”

A coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Agronomia, também da UNB, Maria Lucrécia Gerosa Ramos, lamenta a falta de discussões da comissão com os estudiosos da universidade.  “Que eu saiba ninguém foi convidado aqui na UNB pela comissão.  E a universidade está a poucos minutos do Congresso.  Estamos no cerrado, uma região de nascentes de grandes bacias hidrográficas.  A área técnica deveria orientar os deputados quando discutem assunto técnico”, disse a professora ao ISA.

Manifestações vão continuar

A carta divulgada pela Science é assinada por Jean Paul Metzger, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), Thomas Lewinsohn, do Departamento de Biologia Animal da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Luciano Verdade e Luiz Antonio Martinelli, do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena), da USP, Ricardo Ribeiro Rodrigues, do Departamento de Ciências Biológicas da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, e Carlos Alfredo Joly, do Instituto de Biologia da Unicamp.

“Essas manifestações da comunidade científica vão continuar, porque a situação é muito grave.  Se essas mudanças forem aprovadas teremos um retrocesso de meio século na nossa legislação ambiental, com consequências profundamente negativas em diversas dimensões”, disse Joly, em entrevista publicada pela agência de notícias da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), na segunda-feira, 19 de julho.

O relatório de Rebelo ainda recebeu crítica da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e da Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência (SBPC).  No dia 16 de junho, as lideranças da Câmara dos Deputados também já haviam recebido carta do geógrafo e ambientalista Aziz Nacib Ab’Sáber – professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador do Instituto de Estudos Avançados (IEA), também da USP –, que fez duras críticas ao relatório de reformulação da legislação.
 
Fonte: Envolverde

Comentários